Curto-circuito

Sentei na latrina. Nem bem larguei o barro e as baratas já grudavam em minha bunda. E de tanto ficar sem fazer nada, guardado aqui, tive tempo pra pensar em muita coisa.
Você pode achar uma besteira o que vou dizer, mas foi sentando nessa latrina cheia de baratas que eu notei que precisava cagar o mais rápido possível. Parece banal, mas é uma conclusão fundamentada.
O meu entendimento não é dos mais brilhantes, mas a minha vida me serve de espelho pras minhas atitudes. E foi colocando o dedo onde não devia que eu percebi o choque.
Quando eu nasci, meu pai estava desparecido. Não posso dizer mais nada, além disso, porque qualquer coisa que eu fale será mentira. Isso é tudo que eu sei sobre ele: que saiu de casa pra ir até o bar e sumiu!
A minha mãe tentou de muitas formas, manter a nossa família com a barriga cheia. Acredite se quiser, ela era simples, não tinha estudo e nunca teve uma boa educação, nem estrutura familiar adequada.
Garanto a você que pra perceber coisas aparentemente obvias, é preciso contar com uma série de coisas que fazem diferença pra qualquer pessoa. Não dá pra negar que aprender através da experiência é desgastante e doloroso, e além do mais, isso leva tempo.
Primeiro você precisa fazer, pra depois arcar com o que arranjou, e por último, você entende o que rolou e por que. É um longo caminho, esse de aprender na base da vivência, da porrada.
Onde a gente morava não tinha endereço, isso não ajudou em nada. Quando você não tem um comprovante de residência você tem muita dificuldade pra garantir um emprego fixo. Até pra receber um salário é preciso ter um endereço, você precisa de uma conta no banco pra que quem te contrata possa te pagar.
Sem um ganho fixo, não dá pra saber o dia de amanhã. Então, a minha mãe pensou o que muita gente pensaria. Ela concluiu que ninguém se importava com o seu ser, mas sim com muitas coisas que ela não tinha.
Depois de um tempo ela imaginou que precisava ganhar o máximo possível de uma única vez pra garantir hoje, as incertezas de amanhã.
Uma denúncia anônima estourou a boca. Deu cadeia pra ela, e eu e meus irmãos fomos pra um abrigo. A gente nunca mais se viu, cada um terminou em um lugar diferente.
Eu não era um cara que despertasse atenção dos casais. Eu me sentia como uma bicicleta estragada. Claro que ninguém quer algo que não lhe serve de nada. Escolhiam esse ou aquele como quem analisava um sapato na vitrine. Isso mexe com o cara.
O tempo foi passando e quando eu ganhei as ruas eu senti na pele o que minha mãe sentiu. Dois mais dois é quatro e eu terminei aqui, sentado nessa latrina, preso em um quadrado de merda.
Eu trafiquei! Eu fiz o que não devia. Eu não me orgulho disso. Eu sei que errei e depois que eu pagar a minha conta; sei que vou sair daqui sem dever mais nada pra ninguém. Uma das coisas que mais perturba os meus pensamentos é saber: como vai ser?
Espero que eu possa mudar as coisas. Não estou a fim de curto-circuito de novo. Já aprendi onde dá o choque e por que. Contudo, eu tenho certeza de uma coisa, lá fora, estarei por minha conta, de novo.
Mais uma vez, serei um problema meu! Tomara que a maldita prensa não me esmague novamente. Porque se eu me foder, terei de aguentar outro choque, mais longo e mais dolorido que o último.
O mais foda da vida é que quando julgamos alguém, apontamos um dedo pra ele e outros três pra nós mesmos. Só que isso cabe pra mim e pra você também. Chega de curto-circuito, porra!

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