Imaginável medo
A última
sessão de fisioterapia contou com uma conversa cabal. “Não tem mais jeito”,
disse a doutora. Ele pensou em seus contos, em seus livros, em seu trampo.
“Porra, é o fim”, falou ele. Restou apenas o silêncio por parte dos dois.
Deixou um
adeus e um abraço a todos da clínica. “Não existe culpado além da doença, o
porco reumatismo”, foi o que ele pensou. Acendeu um cigarro e saiu andando. Lá
pelas tantas começou a correr. Tinha pressa em cumprir sua promessa, seu
destino!
Abriu a porta
do “apertamento” que só a imobiliária que lhe cobrou uma vida inteira de
aluguel sempre chamou de apartamento. “É agora”. Olhou a parede e deu uma série
de socos violentos. Sangrou muito. Pegou o litro antes de recomeçar e ligou a
maior boca do fogão enquanto podia.
Por tanto
tempo esperou tal dia. “Chegou”, pensou ele. De novo acertou a parede com toda
a força, igual uma batida de surdo. A dor não foi maior que a da alma. Por toda
uma vida procurou um caminho. Achou seus dedos, sua sorte e seu azar.
Entre o
sangue vingado por conta dos murros, olhou sua salvação e seu castigo. “Dedos
podres e dores”, falou. Obstinado a terminar com tudo, nenhuma lágrima rolou de
sua face. Ele prometeu aguentar. Nenhum arrependimento. “Tudo acaba um dia”,
gritou. Bateu mais uma vez e esmagou o polegar. “Um já foi”, pensou.
Deu mais um
gole no uísque cafona que comprou. A garrafa ganhou nova e grande quantidade de
rubro vivo em seu rótulo. Outra pancada e decepou o indicador da outra mão.
Doeu, mas isso não fez a menor diferença.
Abocanhou
outro trago fundo e leu as lombadas dos títulos em sua estante. “Nenhum homem
morre por inteiro”, gritou. A partir daí a sequência tornou-se impressionante.
Depois de longos quinze minutos só sobraram seus punhos.
Olhou para
o litro de álcool de cozinha. Usou seus antebraços para segurar a embalagem e
com seus dentes arrancou a tampa. “Agora vai doer”, pensou. Encheu a bacia e
olhou firme para ela. Mergulhou o que foi esmagado e mesmo assim não chorou.
Minutos longos.
Com verdade
andou até o fogão e queimou sua carne na chama alta. No sofá da sala seguiu a
beber e a ler as lombadas. “Foi um grande final”, falou ele, a enfrentar a
agonia de nunca mais escrever. Finalmente, seu imaginável medo, tornou-se real!