Voando em carne crua
Achei
estranho vê-lo, a voar em minha direção. Não é o tipo de coisa que você espera.
Eu só queria ler o meu jornal dominical enquanto tomava meu café da manhã já na
parte da tarde.
O sol forte
fazia com que a rua de paralelepípedos exalasse muito mormaço em direção ao
céu. Surgia uma espécie de cortina de vapor que turvava minha visão. Tipo uma
tela de tevê onde passava um filme incrível.
Sim, era
branco, enorme. Não sei com exatidão, mas suas garras não perdiam para o
tamanho de minha mão aberta. Seu voo era magnífico, e por um instante pensei
que me atacaria ao observá-lo a planar sem qualquer certeza de seu pousar.
Assim que
adentrou no pátio aninhou-se na grama, logo que encontrou a sombra da
pitangueira. Foi quando eu, mesmo petrificado de medo, tive a impressão de que
o carniceiro me pediu de beber, como que por telepatia.
Movido por
uma força tão estranha quanto desconhecida, me vi a entregar uma vasilha cheia
de água para a criatura. O danado tomou quase que tudo. Fiquei em um estado que
não posso descrever.
Não demorou
muito e o abutre me pediu de comer. Foi quando me peguei a servir um bom
punhado de carne moída em um grande prato. Rapidamente os mergulhos de seu
poderoso bico com gana bravia deram fim às bolotas de carne.
Vê-lo a
voar e a comer carne crua me mostrou o quanto pobre foi minha vida. Eu me dei
conta de que nunca havia feito nada grandioso, livre, indomável. Como ser me
senti castrado em todos os sentidos.
Por sete
dias consecutivos todos os fatos que até aqui relatei repetiram-se. Contudo,
uma novidade tocante surgiu no dia seguinte. Como que por encanto, em
determinada tarde, não tive outra escolha e juntei-me ao abutre em redor do
prato.
Sem dúvida
nenhuma, minha compreensão quanto à chegada do visitante inesperado ampliou-se
e me atinei da revelação que me foi feita. Talvez você me chame de louco, ou
quem sabe me compreenda, eu não sei. Só o que posso dizer: é que comer carne
crua me pareceu tão grande quanto voar.