A gente nunca se compreendeu
Quando eu
lia um outdoor eu pensava em que eles estavam fazendo,
em que eles
acreditavam e nunca os compreendia.
Sempre que
eu ligava a televisão e prestava atenção naquela merda toda eu pensava em que
eles estavam armando,
em que eles
acreditavam e nunca cheguei a compreender nada.
Via as
vitrines nas livrarias e eu pensava em que eles estavam lendo,
em que eles
queriam fazer e nunca conseguia compreender o que eles pretendiam.
A gente
nunca deu certo,
a gente
nunca fez a mesma coisa ou mesmo pensou parecido,
e por isto
tudo a gente nunca se compreendeu.
Vivi tempos
enfadonhos a beber e pensar,
a escrever
e guardar,
a falar
sobre muitas coisas em horas,
lugares e
em momentos errados,
eu queria saber,
eu queria falar,
eu queria
correlacionar uma coisa com a outra e nunca rolou.
Então eu me
mudei pra um calabouço fortificado,
eu me servi
uma dose de gim e deixei a garrafa ao meu lado,
eu liguei
um disco e o botão do foda-se,
eu me
libertei em mim mesmo,
eu me fiz
forte em meus dedos enquanto os via sangrar e passei a sobreviver,
a tirar das
minhas costas e da minha alma todo o peso que eu carregava e nunca foi meu.
A minha
sorte foi trancar a minha porta,
recolher as
cortinas e me ocultar,
a minha
sorte foi derramar o que eu sinto em um pedaço de papel sem implorar pra alguém
ler,
a minha
sorte foi que os meus livros,
os meus
poemas e as minhas anotações supriram o meu silêncio,
eu guardo
em mim o que absorvo,
o que eu
penso e o que eu sou pra despejar tudo isto como que uma garrafa tombada a
secar,
mas faço
isto pra quem me compreende e não pra quem não pensa como eu ou mesmo cobra a
minha alma como pagamento por me ouvir.
Eu saí do
mundo deles e entrei no meu,
eu fechei a
minha boca,
os meus
olhos e os meus ouvidos,
eu fiz
calos volumosos nas pontas dos meus dedos,
eu tirei o
meu véu e não alimento mais os abutres e os chacais,
eu vivo
sozinho a rir e a chorar,
a ficar
louco e a morrer,
e tudo isto
eu fiz pra sair do mundo deles e viver no meu.